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DUPLA JORNADA DE TRABALHO, DESIGUALDADE SALARIAL E A LUTA PELA IGUALDADE FEMININA
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    O trabalho, enquanto direito social, está inserido na CF/88 e é considerado o alicerce para o desenvolvimento da personalidade humana, pois traz, em tese, condições materiais para uma vida digna. Logo, o ser humano sem trabalho entrega-se à negação da estima social, tendo em vista sua honra e dignidade violadas (HONNET, 2009, p. 86).

Tradicionalmente, o trabalho se resume em exercício de alguma função mediante contraprestação, geralmente pecuniária, cujo espaço é ocupado por homens e mulheres, hierarquizados de forma desigual, pois “o trabalho da mulher mesmo sendo idêntico ao realizado por um homem, tem, em muitas organizações, menor valor” (KANAN, 2010, p. 251).

              Apesar disso, a fidedignidade dos dados indicativos de que a contraprestação do trabalho da mulher é inferior àquela paga ao homem com a mesma função, é por vezes questionada, pois, não há pesquisas suficientes e seguras no Brasil e exterior que atestem de fato à tal desigualdade.

               Portanto, no que se refere ao empoderamento feminino e igualdade de gênero, em 2013, a Comissão de Estatísticas das Nações Unidas, organizou um Conjunto Mínimo de Indicadores de Gênero-CMIG, composto por 53 domínios, para sistematização dos dados no âmbito interno e externo no que se refere a estatísticas em todos os países membros. Também, em 2018, o IBGE, por meio de cinco domínios, divulgou o resultado destes indicadores no Brasil. Os dados foram obtidos a partir da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio – PNAD contínua, de projeções da população por sexo e idade, de estatísticas de registro civil, em pesquisa nacional e pesquisas estaduais em saúde, bem como levantamentos publicados por outros órgãos públicos, tais como o Congresso Nacional, o Tribunal Superior Eleitoral e o Instituto Nacional de Estudos de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP. (INEP-MEC, 2019).

                 Segundo o IBGE, em 2016, as mulheres dedicavam, em média, 18 horas semanais a cuidados de pessoas ou de afazeres domésticos, 73% a mais de horas que os homens, e, considerando a somatória do labor doméstico não remunerado com o remunerado, as mulheres acabam se sobrecarregando em uma dupla jornada de trabalho diária (IBGE, 2016).

                 Sendo assim, os dados extraídos revelam que a quantidade de horas laboradas pelas mulheres é notadamente maior em comparação aos homens, uma vez que ainda, e até de forma inconsciente, atribuímos unicamente as mulheres a responsabilidade dos afazeres domésticos, criando assim uma jornada desgastante, desigual e sem retorno financeiro. E segundo o que também revelou essa pesquisa, os homens ganham mais que as mulheres, e estranho seria se fosse o contrário, considerando que a mulher gasta parte do seu tempo em afazeres não remunerados.

                  A cultura da exclusividade do exercício do trabalho doméstico não remunerado promove impacto significativo no processo de construção da equidade de gênero, uma vez que comprova severa sobrecarga à mulher, afetando assim, sua presença e permanência em condições produtivas no mercado de trabalho.

                 Outros dados abstraídos da pesquisa realizada entre julho e setembro de 2013, a Plan International Brasil (PLAN INTERNATIONAL, 2013), organização humanitária, não governamental e sem fins lucrativos, indicou uma chocante desigualdade de gênero entre meninos e meninas adolescentes, quanto à realização das tarefas domésticas no espaço familiar. Vejamos o percentual: a) arrumar a minha cama: 81,4% das meninas e 11,6% dos meninos; b) cozinhar: 41,0% das meninas e 11,4% dos meninos; c) lavar a louça: 76,8% das meninas e 12,5% dos meninos; d) limpar a casa: 65,8% das meninas e 11,4% dos meninos; e) lavar a roupa: 28,8% das meninas e 8,4% dos meninos; f) passar a roupa: 21,8% das meninas e 6,2 % dos meninos; g) cuidar do(s) irmão(s): 34,6% das meninas e 10,0% dos meninos. Os pesquisadores concluíram que simplesmente por ser menina, ela é tratada como a pessoa responsável pelas tarefas domésticas e, como consequência, a repetição de comportamento, na fase adulta, reproduzirá o desequilíbrio entre a equidade de gênero.

                  Em Progresss of the world’s women 2015-2016 (relatório ONU Mulher), Bia Sorj, numa leitura crítica, alerta que “a persistência das desvantagens das mulheres no mercado de trabalho ocorre, em boa medida, porque o trabalho doméstico e de cuidado não remunerado é uma limitação importante à capacidade das mulheres de se engajarem no trabalho remunerado”. Assim, não dispondo de “tempo para o ócio e ao aprendizado”, a qualidade de vida, com reflexos na saúde da mulher, lhe impõe um sacrifício ainda maior para entrar e se manter no mercado de trabalho em condições de equivalência (ARAUJO, 2019), pois:

[…] o trabalho remunerado só se torna um pilar fundamental para a igualdade substantiva das mulheres quando o trabalho doméstico e de cuidado é compartilhado entre homens e mulheres, quando permite as mulheres dispor de um tempo para o ócio e ao aprendizado; quando proporciona renda suficiente para manter um nível de vida adequado e quando as mulheres são tratadas dignamente no trabalho (SORJ, 2016).

                   Com isso, a ONU recomendou um conjunto de políticas públicas direcionadas à redução e redistribuição entre homens e mulheres do trabalho e do cuidado doméstico, “como investimentos em infraestrutura e em serviços, ampliação do acesso a creches, ampliação das licenças maternidade, paternidade e parental, inclusive para os trabalhadores informais.” (SORJ, 2016).

                   Nesse sentido, o relatório anual The Global Gender Gap Report – 2018, publicado no Fórum Econômico Mundial realizado em 2019, alerta que, quando há vínculo de trabalho vigente, a mulher não alcança igualdade salarial com o homem e mesmo com a melhoria na equiparação salarial em comparação a 2017, houve declínio na representação política feminina e queda no acesso à educação e saúde (DW-MADE, 2018). O estudo assim se posiciona:

Este relatório conclui que, globalmente, embora muitos países tenham alcançado marcos importantes para a paridade de gênero nos sistemas de educação, saúde, economia e política, ainda há muito a ser feito. Por um lado, os países onde a próxima geração de mulheres está se tornando líderes em seus domínios estão prestes a ter sucesso. Por outro lado, a análise deste ano também adverte sobre o possível surgimento de novas lacunas de gênero em tecnologias avançadas, como os riscos associados a lacunas de gênero emergentes em habilidades relacionadas à Inteligência Artificial.

                   Logo, é possível constatar que, em pleno século XXI, a mulher ainda se depara com desafios diários, tanto no trabalho remunerado, quanto no trabalho não remunerado, percalços estes que vão desde a disparidade salarial com o gênero masculino, ao enfrentamento de dupla jornada, pois, além do seu novo papel como trabalhadora formal, ela ainda precisa cumprir as tarefas do lar.

                   Em resumo, a análise da condição da mulher no mercado de trabalho indica que, por mais que a sociedade tenha avançado quando se trata de igualdade de gênero, a discrepância do tratamento entre homens e mulheres é gritante, depreciando assim, o gênero feminino, ferindo o princípio da dignidade humana da mulher, assim como o ideal de legítima igualdade salarial propagada tanto pela Constituição Federal de 1988 quanto pela Consolidação das Leis do Trabalho.

Para saber mais, conte com a nossa equipe!

Palavras-chave: 1. Gênero; 2. Mulher; 3. Trabalho.

Muriel Barth é formada em Direito pela UEM (1997). Mestre em Ciências Jurídicas pela UniCesumar (2018). Advogada na área trabalhista. E-mail: muriel.barth@fmadvoc.com.br .

REFERÊNCIAS

[1] ARAÚJO, Maria de Lourdes. O direito à identidade feminina e ao reconhecimento da equidade de gênero /Maria de Lourdes Araújo. Maringá-PR: UNICESUMAR, 2019.

[2] BRASIL. IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estatísticas de gênero. Indicadores sociais das mulheres no Brasil. Estudos e pesquisas. Informação demográfica e socioeconômica n. 38. Disponível em: https://biblioteca.
ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101551_informativo.pdf. Acesso em 20 ago. 2022.

[3] BRASIL. INEP-MEC. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua, PNAD. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/web/guest/inicio. Acesso em 20 ago. 2022.

[4] DW-Made for Minds. Notícias. Igualdade de gênero no trabalho levará mais de 200 anos, diz estudo. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/igualdade-de- g%C3%AAnero-no-trabalho-levar%C3%A1-mais-de-200-anos-diz-estudo/a-46784041. Acesso em 21 ago. 2022.

[5] HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. Tradução de Luiz Repa. São Paulo: Editora 34, 2009.

[6] Kanan LA. Poder e Liderança de Mulheres nas Organizações de Trabalho. Organizações & Sociedade. Disponível em:  https://periodicos.ufba.br/index.php/revista
oes/article/view/11104. Acesso em 21 ago. 2022.

[7] PLAN International Brasil. Por ser menina no Brasil: Crescendo entre direitos e violências. Pesquisa com meninas de 6 a 14 anos nas cinco regiões do Brasil. Disponível em: https://plan.org.br/wp-content/uploads/2018/12/por_ser_menina
_resumoexecutivo-2014-impressao.pdf. Acesso em 20 ago. 2022.

[8] SORJ, Bia. Igualdade de gênero e políticas macroeconômicas. Estudos Feministas, Florianópolis, 24(2): 292, maio-agosto/2016. pp. 617-620. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-026X2016000200617&script=sci_abstract
&tlng=pt. Acesso em 21 ago. 2022.

[9] WEF-World Economic Forum. The Global Gender Gap Report – 2018, Insight Report. Disponível em: http://www3.weforum.org/docs/WEF_GGGR_2018.pdf. Acesso em 21 ago. 2022.

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