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COMO VIABILIZAR A CESSÃO DE DIREITOS CREDITÓRIOS FUTUROS COMO GARANTIA DE OPERAÇÕES FINANCEIRAS
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O cenário econômico mais pessimista (com Taxa Selic alta, aumento da inadimplência, IBOVESPA em baixa, investidores buscando refúgio em ativos mais seguros) tem dificultado o acesso ao crédito pelos empresários, que precisam disponibilizar garantias (bens e direitos) para conseguir empréstimos com instituições financeiras. E aqui não se está necessariamente falando sobre novos investimentos nas empresas, mas, na maioria das vezes, de capital de giro para manter o negócio funcionando.

Depois de já ter esgotado as possibilidades existentes, tendo dado em garantia imóveis, veículos, ações, tanto da empresa quanto da pessoa física dos sócios (e até de familiares), inclusive avalizando ou afiançando pessoalmente essas operações, colocando em risco o patrimônio pessoal, restam ainda os direitos creditórios, isto é, os recebíveis que a empresa tem perante os seus clientes.

Esses recebíveis (ou direitos creditórios), decorrentes de vendas ou prestação de serviços já realizadas que serão pagas pelos clientes a prazo, que têm natureza jurídica de bem móvel (direito real de caráter patrimonial[1]), podem ser cedidos (antecipados) com um FIDC ou securitizadora ou ainda utilizados como garantia em operações financeiras, para proteger, por exemplo, uma Cédula de Crédito Bancário. Abaixo, segue explicação contida no REsp nº 1.797.196/SP, de relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellize, da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, sobre o tipo de garantia que está em debate.

Por meio da cessão fiduciária de direitos creditórios, representados pelos correlatos títulos, o devedor fiduciante, a partir da contratação, cede ‘seus recebíveis’ à instituição financeira (credor fiduciário), como garantia ao mútuo bancário, que, inclusive, poderá apoderar-se diretamente do crédito constante em conta vinculada (‘trava bancária’) ou receber o respectivo pagamento diretamente do terceiro (devedor do devedor fiduciante).[2]

Vale ressaltar que na cessão fiduciária de recebíveis, há a transferência da posse direta e indireta do título representativo do direito ou do crédito, conforme artigo 66-B e seu §3º, da Lei nº 4.728/65[3], razão pela qual é exceção à regra de sujeição aos efeitos da recuperação judicial, conforme artigo 49, §3º, da Lei nº 11.101/05[4].

Até aqui, tudo bem. Os recebíveis decorrentes de operações mercantis já realizadas podem ser cedidos ou dados em garantia. Mas, e as vendas e prestações de serviços futuras, aquelas que não aconteceram ainda, é possível dar os seus direitos creditórios futuros em garantia de uma operação? A resposta é sim.

De acordo com o inciso IV, do artigo 1.362 do Código Civil, o contrato de garantia fiduciária precisa descrever a coisa objeto de transferência, com os elementos indispensáveis à sua identificação. Na mesma linha, tem-se o artigo 33 e seu parágrafo único, da Lei 10.931/04, dispondo que o bem constitutivo da garantia deverá ser descrito e individualizado de modo que permita sua fácil identificação, que poderá ser feita pela remissão[5] a documentos ou certidão expedida por entidade competente.

Porém, há um grande problema na descrição, pois, como as vendas ou as prestações de serviços ainda não ocorreram, fica impossível identificá-los com data, valores, números, prazos, etc, por sua própria natureza. Aqui, tem-se a expectativa de que tais créditos existirão baseados na projeção futura de faturamento da empresa, de acordo com o seu histórico.

Há jurisprudência do Tribunal de Justiça do Paraná no sentido de que, para que seja válido e eficaz, o contrato de cessão fiduciária desses recebíveis é necessário individualizá-los, permitindo sua identificação, como por exemplo, indicar que são recebíveis de cartão de crédito, especificando a bandeira e a operadora e a vinculação à conta[6]. Ou ainda, no caso das duplicatas, descrever sua espécie, e as operações relacionadas[7].

Entretanto, o posicionamento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça[8] é no caminho de que

A exigência de especificação do título representativo do crédito, como requisito formal à conformação do negócio fiduciário, além de não possuir previsão legal – o que, por si, obsta a adoção de uma interpretação judicial ampliativa – cede a uma questão de ordem prática incontornável. Por ocasião da realização da cessão fiduciária, afigura-se absolutamente possível que o título representativo do crédito cedido não tenha sido nem sequer emitido, a inviabilizar, desde logo, sua determinação no contrato.

Desse modo, o entendimento que vigora na Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema é de que “é dispensável a discriminação individualizada de todos os títulos representativos do crédito para perfectibilizar o negócio fiduciário, ante a inexistência de previsão legal e a impossibilidade prática de determinação de títulos que eventualmente não tenham sido emitidos no momento da cessão fiduciária.”[9](grifo nosso)

Na mesma esteira, noutro julgado da Terceira Turma do STJ[10], “a perfectibilização do negócio fiduciário, capaz de excluir o credor titular da posição fiduciária dos efeitos da recuperação judicial, não exige a indicação precisa dos títulos representativos dos créditos cedidos fiduciariamente, bastando para tanto a identificação do crédito objeto de cessão.” (grifo nosso).

O Tribunal de Justiça de São Paulo acompanha a orientação jurisprudencial do STJ, entendendo que o requisito formal da constituição da garantia fiduciária é a especificação do direito creditório cedido e não dos títulos, conforme se verifica adiante.

Impugnação de crédito. Credor com garantia fiduciária sobre direitos creditórios (duplicatas). Necessidade, como requisito formal da constituição da garantia fiduciária, de especificação do direito creditório cedido, não dos títulos. Entendimento do Superior Tribunal de Justiça no REsp nº 1.797.196/SP. Crédito que deve ser considerado extraconcursal. Agravo provido.
(TJSP;  Agravo de Instrumento 2154278-56.2022.8.26.0000; Relator (a): Natan Zelinschi de Arruda; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Guarulhos – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 22/02/2023; Data de Registro: 22/02/2023)

Logo, o que predomina é a necessidade de descrever o direito creditório cedido e não os seus títulos (que representam o direito), uma vez que tais títulos sequer existem.

Portanto, do ponto de vista do credor, é válida a preocupação de buscar individualizar os recebíveis dados em garantia, na medida do possível, com as informações que se tem no ato da contratação, cuidando sempre para evidenciar o crédito objeto de cessão, ainda que não seja possível descrever os títulos.

Importante ainda que tais recebíveis cedidos fiduciariamente estejam em conta vinculada à operação, preferencialmente numa Escrow, na qual seja possível o monitoramento desses recebíveis pelo credor, assim como facilite o acesso aos recebíveis para fins de amortização ou liquidação das operações protegidas.

O que se verifica, em suma, é que existe mais esta possibilidade de proteção das operações financeiras, facilitando o acesso ao crédito pelo empresário, cabendo à instituição financeira, FIDC ou Securitizadora, o cuidado na descrição do crédito cedido, para assegurar que a operação tenha uma garantia sólida e que o deixará fora de uma eventual recuperação judicial do devedor.

[1] Art. 83, lll, Código Civil.

[2] (REsp n. 1.797.196/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 9/4/2019, DJe de 12/4/2019.)

[3]  § 3o É admitida a alienação fiduciária de coisa fungível e a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis, bem como de títulos de crédito, hipóteses em que, salvo disposição em contrário, a posse direta e indireta do bem objeto da propriedade fiduciária ou do título representativo do direito ou do crédito é atribuída ao credor, que, em caso de inadimplemento ou mora da obrigação garantida, poderá vender a terceiros o bem objeto da propriedade fiduciária independente de leilão, hasta pública ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, devendo aplicar o preço da venda no pagamento do seu crédito e das despesas decorrentes da realização da garantia, entregando ao devedor o saldo, se houver, acompanhado do demonstrativo da operação realizada.

[4] § 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.

[5] Remissão no sentido de remeter, de encaminhar a um ponto.

[6] TJPR – 17ª C.Cível – 0040542-49.2017.8.16.0000 – Colorado – Rel.: Desembargadora Rosana Amara Girardi Fachin – J. 06.12.2018.

[7] TJPR – 17ª C.Cível – AI – 1666469-4 – Cruzeiro do Oeste – Rel.: Fernando Paulino da Silva Wolff Filho – Unânime – J. 22.11.2017)

[8] REsp n. 1.797.196/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 9/4/2019, DJe de 12/4/2019.)

[9] (AgInt no AREsp n. 1.575.797/SP, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 29/6/2020, DJe de 1/7/2020.)

[10] (AgInt no AREsp n. 1.569.510/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 17/2/2020, DJe de 20/2/2020.)

*** Roberto Isquierdo – advogado, coordenador da área de Direito Societário no Federiche Minache Advogados, especialista em Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios.

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